Todas semanas às quartas feiras pelas as horas abaixo indicadas, faço a minha crónica do dia na Mais Mais Oeste Rádio, esta é próxima que irá ser transmitida na próxima quarta-feira, DIA 28 DE MAIO.
CRÓNICA DO DIA | Dulce Horta
4ªs Feiras | 8:20h - 10:20h - 16:05h - 18:30h - 23:30h
94.2fm | www.maisoeste.pt
Domingo, meio-dia.
Na volta do pão, um aguaceiro – não apresso
o passo porque vim de chapéu de chuva. Sabe-me bem estar na rua depois de 2
dias fechada em casa. No passeio oposto da rua estreita descem mãe e crispada e
amarga:
“levanta isso do
chão, não estás a ver?
Vá,
tapa-te, ou tenho que ser eu a fazer tudo?
Tu não tens jeito para nada, ” –
e o
discurso amoroso continuou rua abaixo. A chuva era espasada, um aguaceiro leve,
com azul no céu e sol entre as nuvens – as bruxas a pentearem-se, como se dizia
antes.
Virei-me para trás e olhei para ela, incrédula.
Mais do que vê-la a ela, quis ver o miúdo – pequeno, de passo apressado,
indefeso, não fosse o Kispo azul escuro com um enorme capuz com que se cobria
às ordens daquela mulher. E assim bem encapuçado , ele deixava de a ver.
Quis atravessar a rua, agachar-me em frente
a ele e dizer-lhe: Um dia isto vai melhorar. Um dia vais levantar a voz ou
melhor ainda, vais virar as costas e vens embora. Ainda vais ter de penar muito
– talvez menos se ela morder a língua e morrer envenenada – mas um dia tudo vai
ser melhor. Eu prometo.
A vida melhora quando se torna tua, quando
ninguém te dá ordens, quando ninguém te atira ao chão só porque existes, porque
te fizeram numa noite de vitória de um clube, quando a ela nem lhe apetecia,
mas o homem estava bêbedo e há meses que não lhe tocava assim.
Ou terá sido numa noite de derrota?
Aleijam-me estas mulheres amargas, que
destroem a auto-estima de uma criança que ainda nem sabe que a tem.
Aleija-me não haver uma Terra do Nunca para
onde as crianças possam fugir.
Chamamos puta à gorda que estrangula a
Europa e vamos para a rua gritar, mas não damos um tabefe à mulher que desce a
rua no passeio oposto.
Quem interdita a austeridade daquele
monstro?
Eu quero acreditar no melhor.
Que aquele rapaz de 5 anos ainda vai ser um
homem feliz, se um dia conseguir olhar para a frente sem lhe pesar o que ficou
para trás.
É isso que eu te peço hoje, Universo.
Tratas disso? Eu prometo fazer a minha
parte.
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