2º texto a ler
Politicamente, o mandato de Cavaco acabou no dia de tomada
de posse deste Governo. É ler ou ouvir o discurso.
Acabou o mandato na sua substância.
Cavaco não é um institucionalista. Cavaco é tristemente o
melhor exemplo que a nossa história democrática nos ofereceu de quem sempre
distinguiu o seu nome próprio – Aníbal Cavaco Silva – do órgão “Presidente da
República”. Esta distinção foi sempre feita a benefício do primeiro. Não
encontramos, ao longo destes dez anos, um único dos poderes presidenciais consagrados
na Constituição (CRP) que tenha sido exercido com o espírito do mesmo, como
sendo competência de alguém que não se representa, antes representando a
República.
Não vale a pena recordar todas as indignidades a que fomos
sujeitos. A história recente de um país parado, indefinidamente, sem o único
Governo viável, à conta de uma adesão de Cavaco à campanha da direita e não ao
texto constitucional é um epitáfio fiel de um homem de nome Aníbal Cavaco Silva
que tudo fez para se sobrepor ao Presidente da República que a CRP exige.
Estamos num tempo novo e desafiante.
O paradigma político-social mudou para sempre com a morte
das convergências que de tão tradicionais se pensaram donas da democracia e
Cavaco, terminando o seu mandato formalmente, dá-nos a oportunidade de devolver
um Presidente da República à República.
Esta última oportunidade não pode ser desperdiçada. Não pode
ser decidida pela empatia televisiva de quem faz campanha há um ano em
exclusivo na TVI, porque a desigualdade dessa arma deve pesar mais do que a
habituação ao rosto.
Não pode ser decidida apenas porque Marcelo - que aprecio
pessoalmente – é popular, abandonamo-nos à preguiça de constatar que o
candidato em causa não tem um plano da sua conceção dos poderes presidenciais,
não é claro e direto nas respostas, num estilo de rede simpática apanha-tudo, é
incerto, é imprevisível, a sua história política prova que não sabemos mesmo
com quem contar numa segunda-feira e com quem contar numa sexta-feira, embora
estejamos sempre a falar mesma pessoa.
De resto, é isso que faz de Marcelo um homem divertido, mas
não um candidato.
Sendo mulher, e feminista, tenho por importante a
representação feminina nos cargos políticos. Nunca houve uma Presidente da
República. É um facto. Mas nunca me bastaria a constatação de ver uma militante
do meu Partido- no caso, Maria de Belém – para desatar a correr para o voto em
nome das mulheres ao poder. Porque não é esta a mulher que eu quero a fazer
história.
Direi mesmo que até por ser mulher, a minha adesão à
candidatura de Sampaio da Nóvoa é reforçada perante Maria de Belém. Basta
recordar-me, sobretudo na semana em que se discutiu, quase dez anos depois, o
absurdo de mulheres que não tenham a tutela de um homem serem excluídas do
acesso à procriação medicamente assistida (sexismo e homofobia num pacote), que
Maria de Belém tutelou esse processo. Sim, em 2006, Maria de Belém tutelou o
processo que informou mulheres solteiras, viúvas, lésbicas, casais de lésbicas
disto: o vosso útero pertence a um homem.
É verdade que com a disciplina de voto votou favoravelmente
o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas ficou clara a sua discordância na
declaração de voto que apresentou. Pertencia ao grupo que defendia um outro
caminho.
Estes dois exemplos não relevam apenas das matérias em
causa. Relevam para nos apercebermos que Maria de Belém, sendo mulher, não
comporta em si o desígnio mais forte que essa condição na Presidência
mereceria: um conceito amplo, sem pó, sem adversativas da igualdade.
É por isto, por também não encontrar em Maria de Belém uma
vontade fundacional de ser candidata, nem um guia do que entende ser o
exercício dos poderes presidenciais que, por mim, Belém não irá para Belém.
Sampaio da Nóvoa não esperou. Nada tem contra os Partidos,
antes pelo contrário, mas dispenso a retórica que lhe vejo ser atirada vinda de
um bafiento conceito de monopólio dos Partidos ou da pertença a um Partido,
como fator de superioridade para se atuar politicamente.
Sampaio da Nóvoa tem uma visão cosmopolita do mundo, tem
como positivas as diferenças de identidade, de modelos de família, de modelos
de parentalidade, rejeita a abominável tarefa estatual que desgraçou o século
passado, essa de padronizar comportamentos.
Finalmente, Sampaio da Nóvoa apresentou uma Carta de
Princípios que corresponde à mais correta interpretação que já li do que deve
ser o exercício dos poderes presidenciais. Já o expliquei aqui .
É ouvir, é ler, é estar atento, é ter memória, é não ceder à
preguiça e fazer de Sampaio da Nóvoa o grande candidato da esquerda.
(ambos os textos são de Isabel Moreira - Expresso )
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