terça-feira, 12 de novembro de 2013

Nos sapatos dos outros ...


                                                              Van Gogh shoes

Nos sapatos dos outros


(Quando escrevi este texto era exactamente a isto que me referia)

Aprender a tolerância é talvez dos processos mais difíceis e mais importantes do crescimento interior de um ser humano. Sermos capazes de nos pormos na pele do outro para compreendermos as suas acções e motivações não é tarefa fácil.
1. Não há nada tão útil como sermos capazes de nos colocar nos sapatos dos outros.

Esta expressão castiça é uma metáfora adequada para uma das mais difíceis tarefas do crescimento humano que, por isso, é também sinal de desenvolvimento sadio e harmonioso.

Podermos ver o mundo a partir de um outro ponto de vista é um exercício sofisticado que exige elabração de trabalho para aceder à compreensão do outro. Diferentemente de um faz-de-conta cénicoe artístico em que se constrói uma personagem atendendo às suas características externas (físicas, de relação e de verbalização), aqui é preciso criar a empatia, através de todas as experiências próprias vividas, para, sem compromisso da nossa própria identidade, percebermos, de facto, a amplitude de outras personalidades nos seus contextos vivenciais específicos.

2. Chegar lá implica que se abandone aquela vulgar situação em que alguém diz de rompante: "se eu estivesse no teu lugar", a que se seugue um rosário de afirmações que habitualmente são improváveis ou mesmo inimagináveis como desempenho do sujeito em causa, demonstrando que o se queria dizer era, de facto, "se ele fosse eu".

Mas os outros não são como nós, nem nós como eles, razão última, aliás, porque podemos congeminar as melhores formas de actuação dos outros. Do nosso ponto de vista, claro.

3. Aceder a outras formas de ser, pensar e agir é como embarcar numa incrível viagem. É ser capaz de sentir o diferente, apenas como tal, sem juízo de valor, sem comparação automática com o que nos é familiar, sem expectativa de imprimir mudança, sem defesas, sustos ou sensações de ameaça.

Quando somos capazes de nos pormos noutros sapatos, conseguimos perceber motivações, razões, comportamentos. Conseguimos, de igual modo, acedecer à crueldade de uns, doçura de outros, à contenção rígida de mais uns tantos, à espantosa complexidade de emoções e raciocínios de todos eles.

De caminho conhecemos múltiplos mundos, aprendemos a tolerância, ganhamos a sombra da tranquilidade que se atribui aos santos ou aos sábios e, talvez o mais importante, ficamos bem mais confortáveis nos nossos próprios sapatos.

 
Isabel Leal é psicóloga, professora no ISPA e tem alguns livros publicados.

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